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quarta-feira, agosto 30, 2006

O tempo


Um ritmo desenfreado. Ela percorria as ruas com tamanha velocidade, que chegava a parecer que voava. As luzes, os postes, as pessoas com quem se cruzava, tudo parecia passar-lhe como se fosse num automóvel. O seu pensamento quase atingia a velocidade do som.

Ao chegar a casa, atirou-se para cima do pequeno sofá, que se encontrava recatado num dos cantos da sala. Pegou no comando da aparelhagem e carregou no único botão colorido. A música deu de si. Surgiu do silêncio uma música de cortar a respiração. Tirou o pesado casaco que trazia vestido. O tempo lá fora estava frio. Nevava há dois dias, quase sempre de tarde. Mas naquela noite também tinha nevado. Resolveu acender a lareira e beber um chá quente. O reconforto alcançado permitiu-lhe recuperar a lucidez habitual.

– Que horas serão?

Pouco importava, o fim-de-semana estava à porta. Afinal, era Sexta-feira. Desde essa manhã que tinha resolvido não trabalhar no dia seguinte. A campainha de casa soou. Uma. Duas. Três vezes. Seria ele?

– Mas a esta hora? Que horas serão? Pouco importa. Amanhã não trabalho. Tomara fosse ele, pensava ela. Impossível. A distância…quer dizer…talvez que…não, ele teria avisado. Ou não?

Enquanto matutava, a campainha, qual criança na idade dos “porquês”, insistia: uma, duas, três vezes; uma, duas, três vezes. Ele carregava no botão, mas não ouvia o toque. Os seus ouvidos, olhos, nariz, pele e boca eram todos dela. E, compulsivamente, continuava a tocar.

– Estará em casa? Que horas serão? Porque não abre? Estou para aqui a carregar, mas será que esta porcaria funciona?

A porta, finalmente, abre-se. Ele entra. A porta bate. Entre o primeiro beijo, o longo abraço e o segundo beijo, nada dizem. Tudo sentem. As mãos frias juntam-se aos corações quentes.

Esquecem-se as horas.

Quebrou-se o gelo, mataram-se as saudades, resfriaram-se os corpos. Era tempo de partir. Que horas seriam? Já tinha perecido o fim-de-semana.

Adeus meu anjo, pensaram.

E voaram.

Novamente.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

E o tempo começou de novo a marcar as horas da saudade...
De encontros a "voar" fica tudo aquilo que retem a memória do sentir. Que faz com que o coração continue a bater até a campainha voltar a tocar.
Até breve meu anjo, senti.

8/30/2006 01:35:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

por momentos pensei que estava a ler um dos contos de Ana Teresa Pereira - Conheces?

Ambiente soturno,na penumbra, melancólico, triste mas bom, muito bom!!

Ninguém é de ninguém... mas de vez em quando passa e fica alguém muito cá por dentro, entranhado nisto que somos...

um abraço até ao fim dos tempos...

8/31/2006 03:40:00 da tarde  

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