O tempo
Um ritmo desenfreado. Ela percorria as ruas com tamanha velocidade, que chegava a parecer que voava. As luzes, os postes, as pessoas com quem se cruzava, tudo parecia passar-lhe como se fosse num automóvel. O seu pensamento quase atingia a velocidade do som.
Ao chegar a casa, atirou-se para cima do pequeno sofá, que se encontrava recatado num dos cantos da sala. Pegou no comando da aparelhagem e carregou no único botão colorido. A música deu de si. Surgiu do silêncio uma música de cortar a respiração. Tirou o pesado casaco que trazia vestido. O tempo lá fora estava frio. Nevava há dois dias, quase sempre de tarde. Mas naquela noite também tinha nevado. Resolveu acender a lareira e beber um chá quente. O reconforto alcançado permitiu-lhe recuperar a lucidez habitual.
– Que horas serão?
Pouco importava, o fim-de-semana estava à porta. Afinal, era Sexta-feira. Desde essa manhã que tinha resolvido não trabalhar no dia seguinte. A campainha de casa soou. Uma. Duas. Três vezes. Seria ele?
– Mas a esta hora? Que horas serão? Pouco importa. Amanhã não trabalho. Tomara fosse ele, pensava ela. Impossível. A distância…quer dizer…talvez que…não, ele teria avisado. Ou não?
Enquanto matutava, a campainha, qual criança na idade dos “porquês”, insistia: uma, duas, três vezes; uma, duas, três vezes. Ele carregava no botão, mas não ouvia o toque. Os seus ouvidos, olhos, nariz, pele e boca eram todos dela. E, compulsivamente, continuava a tocar.
– Estará em casa? Que horas serão? Porque não abre? Estou para aqui a carregar, mas será que esta porcaria funciona?
A porta, finalmente, abre-se. Ele entra. A porta bate. Entre o primeiro beijo, o longo abraço e o segundo beijo, nada dizem. Tudo sentem. As mãos frias juntam-se aos corações quentes.
Esquecem-se as horas.
Quebrou-se o gelo, mataram-se as saudades, resfriaram-se os corpos. Era tempo de partir. Que horas seriam? Já tinha perecido o fim-de-semana.
Adeus meu anjo, pensaram.
E voaram.
Novamente.
2 Comments:
E o tempo começou de novo a marcar as horas da saudade...
De encontros a "voar" fica tudo aquilo que retem a memória do sentir. Que faz com que o coração continue a bater até a campainha voltar a tocar.
Até breve meu anjo, senti.
por momentos pensei que estava a ler um dos contos de Ana Teresa Pereira - Conheces?
Ambiente soturno,na penumbra, melancólico, triste mas bom, muito bom!!
Ninguém é de ninguém... mas de vez em quando passa e fica alguém muito cá por dentro, entranhado nisto que somos...
um abraço até ao fim dos tempos...
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