Saudade

Deviam banir este sentimento. A saudade. Esta nódoa recalcitrante que nos incomoda. A medicina devia ser evoluida ao ponto de termos neurocirurgiões capazes de cortarem uma qualquer ligação neuronal. Uma dessas sinapses incómodas que passam informação indesejada. Seria tão bom não ter saudades de um local, não sentir a falta de alguém, mesmo que se tenha adorado passar por ali ou estar com fulano. A saudade deixa-nos deprimidos. Sem vontades. Inertes. A saudade faz-nos desejar que tudo volte a acontecer, mesmo sabendo que "o que foi não volta a ser". A nostalgia não é mais que um estado febril, provocado pela saudade. Não quero sentir saudade! Não tenho saudade! Não...

Repentinamente, estremeço, como se estivesse a cair num buraco do passeio. Este espasmo fez-me abrir os olhos. Durante quanto tempo estive neste estado?, pensei. Parecia ter passado uma eternidade. Os feixes de luz que penetravam nos losangos da portada mostravam já ser dia. Olhei para o relógio. Era hora de levantar. Abri a janela e espreitei. O céu estava azul, o sol brilhava. Tudo normal. Segui caminho.